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A redução das emissões de carbono na transição para um mundo sustentável

O cenário das mudanças climáticas mostra que é necessário um esforço para mitigar os impactos das emissões de carbono à natureza e ao meio ambiente. O Acordo de Paris, um dos principais marcos na história moderna em relação ao desenvolvimento sustentável, estabeleceu uma meta de manter o aquecimento global à 1,5°C, considerando as temperaturas registradas antes do período da industrialização. Para atingir este objetivo, a principal ação considerada para contenção do aumento da temperatura do planeta é a redução das emissões de gases de efeito estufa. O Brasil é o 5o país que mais emite gases de efeito estufa no mundo e, neste acordo estabelecido em 2015, se comprometeu a reduzir suas emissões em 37% até 2025 e 50% até 2030. Isso representa uma meta de emitir no máximo 1.614 MtCO2e em 2025 e 1.281 MtCO2 e em 2030(1).

Talvez o leitor não esteja habituado com a notação “tCO2e”; para isso, será esclarecido tanto a unidade de medida quanto como medi-la. Lê-se “Tonelada de CO 2 Equivalente” e, como entende-se do próprio nome, refere-se à pegada de gás carbônico a qual equivale uma atividade. Em um exemplo prático, podemos comparar a pegada de carbono de um cidadão médio que se desloca 10km para o trabalho utilizando um veículo utilitário contra esse mesmo cidadão utilizando transporte via ônibus (calculado para um cenário norte americano). A pegada de carbono calculada para esse trajeto em um automóvel médio seria de 8,8kgCO2e, enquanto para o mesmo trajeto utilizando ônibus seria entre 0,7 e 1,1kgCO2e por passageiro. Se considerarmos o trem ou o metrô, esse valor cairia para algo entre 0,2 kg e 0,5 kg por passageiro. Por tanto, valendo-se desse exemplo, considerando 250 dias úteis, um cidadão que optou por não ir de carro e utilizar transporte público poderia evitar até 2,2tCO2e dentro de 1 ano(2).

Os valores utilizados para estimativas de pegada de carbono, geralmente, são apurados por agências especializadas ou órgãos governamentais que avaliam todos os fatores que afetam o impacto de determinada ação ou produto ao meio ambiente. Considerando o mercado de alimentos, por exemplo, a Universidade de Oxford analisando a cadeia produtiva de mais de 40.000 fazendas e 1.600 produtos estabeleceu a pegada de carbono para diversos alimentos que são consumidos diariamente pela maioria dos ingleses. Para uma porção de bife bovino considera-se até 15kgCO2e, enquanto para uma porção de ovos o valor é algo em torno de 1kgCO2e. Ou seja, comparando com o exemplo anterior, comer uma porção de bife pode equivaler a andar 17km de carro, em relação ao impacto do carbono gerado ao meio ambiente. Uma vez compreendido o conceito de pegada de carbono pode-se avaliar este conceito para o
setor elétrico(3).

Para o setor elétrico podemos fazer uma comparação semelhante aos exemplos anteriores entre diferentes fontes de geração de energia elétrica. Comparando duas formas de geração de energia não renováveis, o valor calculado de pegada de carbono por quilowatt-hora para as termoelétricas a carvão no setor de energia norte americano em 2021 foi de 1025gCO2e/kWh contra 430gCO2e/kWh para termoelétricas alimentadas com gás natural. Já se compararmos a geração de energia das termoelétricas a gás natural com a geração de energia hidroelétrica, que é uma forma de geração renovável, teremos um valor de 24gCO2e/kWh o que é aproximadamente 18 vezes menor. Para o caso das usinas com geração solar fotovoltaica utiliza-se um valor estabelecido no Pacto de Autarcas(4)(5).

O Pacto de Autarcas é uma iniciativa europeia que reúne diversas autoridades regionais do setor de sustentabilidade para promover ações na área de energias renováveis. De acordocom a iniciativa, o valor de pegada de carbono calculada para a geração solar fotovoltaica varia entre 2 e 5gCO2e/kWh (geralmente utiliza-se o valor médio de 3,5gCO2e/kWh). Embora ainda seja 7 vezes menor do que o impacto estimado para a geração hidroelétrica, ainda é possível verificar que há um impacto de carbono gerado ao meio ambiente por conta, principalmente, dos módulos fotovoltaicos. O processo de manufatura dos módulos envolve a produção do vidro de sua superfície e dos metais utilizados em sua armação, além da energia gasta durante esse processo, que também é considerada no cálculo da pegada de carbono da geração fotovoltaica. Outros fatores considerados são o transporte dos módulos, que em sua maioria são fabricados na China, e o consumo de água para limpeza da superfície desses módulos(6).

A matriz elétrica brasileira é conhecida por ser, em sua maior parte, composta por geração considerada renovável. Dados fornecidos pela EPE (Empresa de Pesquisa Energética) até julho de 2022 mostram que a potência total instalada no Brasil é de 184GW, sendo composta principalmente por: 55,39% de geração hidroelétrica, 25,17% de geração termoelétrica, 11,95% de geração eólica e 2,97% de geração fotovoltaica (em modelo de geração centralizada). Embora, em sua maior parte o potencial de geração brasileiro seja renovável, o acionamento de cada uma dessas fontes pode variar de acordo com os recursos disponíveis, e isso altera a pegada de carbono da energia disponibilizada no SIN (Sistema Interligado Nacional). O ano de 2021 sofreu com uma estiagem prolongada, o que gerou uma escassez de recursos hídricos para geração hidroelétrica e com isso levou a um acionamento de termoelétricas para evitar falhas no fornecimento de energia. A pegada de carbono média calculada para o SIN no ano de 2021 foi
de 126,4gCO2e/kWh, praticamente 3 vezes maior se comparada ao ano de 2022 que foi considerado um ano razoável na questão de recursos hídricos(7).

Perante o exposto, é possível entender o conceito de carbono evitado e como a geração de energia fotovoltaica contribui para a mitigação das emissões de gases de efeito estufa. Um cliente que se beneficia do uso da energia fotovoltaica no modelo de geração distribuída consome via autoconsumo local ou remoto uma energia mais limpa do que a energia que é disponibilizada pelo SIN e essa diferença é o que chamamos de carbono evitado. Em 2021, por exemplo, teríamos uma pegada de carbono do SIN de 126,4gCO2e/kWh em comparação com um valor de 3,5gCO2e/kWh da geração. Logo, a geração fotovoltaica apresenta uma pegada de carbono cerca de 36 vezes menor em relação à energia proveniente do SIN(8).

Conforme apresentado, todas as atividades que realizamos em nosso dia a dia geram algum tipo de impacto ao meio ambiente. Porém há a possibilidade de trocar uma atividade ou um produto por uma alternativa menos nociva ambientalmente e umas das métricas utilizadas para comparação deste impacto é o cálculo da pegada de carbono. Para o consumo de energia não é diferente e investir em energia renovável, é investir na transição energética e na construção de um mundo mais sustentável.

Por: Daniel Ferreira Neves

Analista Sênior de Operação e Manutenção na Athon Energia.


Engenheiro Eletricista pela Escola de Engenharia de São Carlos (EESC USP), Especialista em
Energias Renováveis pela Escola Politécnica (POLI USP) e aspirante a MBA em Negócios do Setor
Elétrico pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).